Sunday, January 1, 2012

Síndrome de Charles Bonnet (CBS)

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Pessoa que perde visão pode ganhar alucinações.


Um dia, há poucos anos, Doris Stowens viu os monstros de "Where the Wild Things Are", de Maurice Sendak, invadindo seu quarto. Depois, as criaturas viraram dançarinos tradicionais tailandeses, de grandes unhas metálicas, cuja dança furiosa ia do chão ao teto pelas paredes.

Apesar de chocada, Stowens, 85, sabia que estava tendo alucinações e estava certa de que tinham relação com o fato de sofrer de degeneração macular, que afeta a visão.

"Sabia que algo estava acontecendo entre meu cérebro e meus olhos", disse ela.

Stowens disse que, desde que desenvolveu perda parcial da visão, várias vezes por semana vê paredes cor de rosa e colchas de bordado flutuando pelos pontos cegos de seus olhos.

De fato, as alucinações de Stowens são um resultado da síndrome Charles Bonnet, um distúrbio estranho, porém relativamente comum em pessoas com problemas nos olhos.

Como a maioria das pessoas com problemas de visão tem mais de 70 anos, a síndrome, que tem o nome do seu descobridor suíço do século 18, é mais encontrada entre os idosos. E como os idosos são mais suscetíveis à deterioração cognitiva, que pode incluir alucinações e fantasias, Charles Bonnet é facilmente confundida com doença mental.

Muitos pacientes que têm os sintomas não consultam um médico, por medo de serem chamados de doentes mentais.

"Não é uma doença rara. É bastante comum. Mas as pessoas não gostam de falar a respeito", disse V. S. Ramachandran, neurologista da Universidade da Califórnia em San Diego, que escreveu sobre a doença.

Os pesquisadores estimam que de 10% a 15% das pessoas cuja visão tem índice pior que 20/60 desenvolvem a doença. Qualquer problema na visão que gere pontos cegos ou visão fraca podem gerar a condição, inclusive catarata, glaucoma, retinopatia diabética e degeneração macular.

As alucinações podem variar de simples manchas coloridas até imagens vívidas de pessoas, cenários ou fantasmas de sonhos. As alucinações em geral são breves e não são ameaçadoras. As pessoas que têm a síndrome em geral compreendem que o que estão vendo não é real.

Nancy Johnson, 72, professora aposentada de San Diego cujo olho esquerdo foi removido por causa de tumores cancerígenos, diz que não se incomoda com as imagens.

"Vejo pequenas figuras geométricas que se encaixam", disse Johnson. "Como rabiscos na margem de um caderno. É interessante e distrai, mas não dá medo."

No entanto, a experiência também pode ser assustadora. Stowens, por exemplo, disse que as visões de monstros a assustaram.

"Não conseguia nem falar, meu coração estava disparado", disse ela.

Muitos pacientes ficam aliviados em saber que estão sofrendo simplesmente de um problema de visão, disse William O'Connell, especialista da Faculdade de Optometria da Universidade Estadual de Nova York, que já teve inúmeros pacientes com a síndrome de Charles Bonnet.

"Alguns pacientes me dizem: 'Achava que estava com um tumor no cérebro'", disse ele. "Ou: 'Pensei que estivesse tendo um derrame", ou 'Achei que estava com Alzheimer'".

Os especialistas dizem que não há remédios para aliviar os pacientes com Charles Bonnet e que, de fato, há pouco a se fazer para deter as alucinações, além de piscar, aumentar a luz da sala ou fazer outras mudanças no ambiente.

"Meu cérebro diz coisas que não quero saber."

Os pesquisadores dizem que as alucinações que definem a síndrome são, de alguma forma, similares a quando alguém sente vividamente um membro que foi amputado, ou ao fenômeno da audição fantasma, quando uma pessoa que está ficando surda ouve música ou outros sons. Em todos os três casos, as percepções são causadas por uma perda da informação sensorial que normalmente alimenta o cérebro incessantemente.

No caso da visão, o córtex visual primário é responsável por absorver as informações a formar imagens lembradas ou imaginadas. Essa função dupla sugere que a visão normal é de fato uma fusão da informação sensorial externa com informação sensorial gerada internamente.

O cérebro preenche o campo visual com o que está acostumado a ver ou com o que espera ver. Se você espera que a pessoa sentada ao seu lado esteja usando uma camisa azul, por exemplo, talvez de soslaio você veja erroneamente uma camisa vermelha como se fosse azul. Uma olhada mais direta permite que mais informações externas corrijam o erro.

"Em certo sentido, todos nós alucinamos o tempo todo", disse Ramachandran. "O que chamamos de visão normal é nossa seleção da alucinação que melhor se encaixa na realidade."

Com a perda extensa da visão, menos informações externas estão disponíveis para ajustar e guiar a tendência do cérebro de preencher os vazios sensoriais. Os resultados podem ser dançarinos tailandeses ou monstros de um livro infantil.

"O que acho mais interessante", disse Stowens da sua síndrome, "é que esse meu cérebro fica me dizendo coisas que não quero saber".

Fonte: The New York Times/2004 com Tradução: Deborah Weinberg

Artigo: Portal da Oftalmologia
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